terça-feira, 11 de maio de 2010



 O RETRATO DO POETA REVOLTADO

(work in progress de Eusébio Almeida)

        
      Luís Pacheco                         Hanish Bali                                Prado Coelho
                                      
                                                                                                                                      
  com uma faca bem afiada na mão
rasgo as páginas de um livro
que pertence ao poeta Herberto Helder
mas o poeta não gosta da faca bem afiada
por isso foge com o livro de poemas rasgado debaixo do braço

na verdade o poeta não é uma máquina qualquer
é apenas uma espécie de máquina de escrever
viciado na magia das palavras
 quase como se fosse um libidinoso
devorador de livros inúteis

mas o poeta não é uma máquina de escrever
é apenas uma máquina que escreve poemas com as mãos
antes que estas lhe permitam cravar os dentes bem afiados
no ventre da terra depois deste traçar um círculo no chão
com a ponta dos pés a fim de determinar o património
genético das coisas

por isso o poeta é uma máquina que escreve
não apenas com os dedos
mas também com o suor que escorre da saliva da boca
enquanto esta se deleita com as letras da música
soletrada no silêncio do arquivo das palavras
que o poeta desconhece

em nome da liberdade das palavras
o poeta não escreve apenas sobre a memória das coisas
mas também sobre a magia daquilo que não serve para nada
por isso é que o poema
tal como o poeta
não consegue parar de escrever
não por ser uma máquina
mas por ser um poeta que escreve
com a ponta dos dedos a doer

agora o poeta vai dormir...
 mas os poetas também dormem?
não, os poetas não dormem
adormecem apenas de cansaço
tal como as palavras que descansam no colo
do leitor de livro fechado na mão

é de livro fechado  na mão
que nascem os poemas que não sabem ao suor do poeta
mas apenas à saliva das palavras
que deslizam do ventre e dos lábios carnudos da terra

a terra a chorar pela morte do poema que surge do suor
dos dedos cansados do poeta
que sangra perante o poema que escreve

...não liguem, porque o poeta está cansado
tal como o poema que acaba de escrever
até que apareça a última palavra antes da última palavra
para que o poema consiga finalmente nascer

bom dia, volto já...
dizia o letreiro pendurado na porta do quarto
do poeta enquanto este fingia que dormia

de facto os poetas não dormem
adormecem apenas de cansaço

tal como a maioria dos livros
  tal como a minoria dos homens



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