sexta-feira, 4 de dezembro de 2009



UTOPIAN SCREEN
de Filipa César


Projecto de Filipa César, Allee der Kosmonauten, 2007, Berlin (e exposição 2x8).


Para criar uma imagem basta escrever uma palavra numa página qualquer. Qualquer palavra pode ser uma nova imagem da história do mundo, desde que o mundo não seja uma página em branco ou que a brancura das frases não sejam um mero refúgio e os homens não se transformem apenas em pedaços de pedra. A verdade é que as pedras são imagens invertidas depois de reflectidas no espelho da cidade que acabo de percorrer. A cidade, neste caso, está no centro das palavras que acabo de escrever. Vou acreditar que as palavras que acabo de escrever não existem ou que existem apenas dentro de uma espécie de narrativa virtual. O real dentro do virtual. O virtual dentro do real (a confusão é total).

A encenação especulativa esgota-se aqui (só conheço o que conheço, o resto não interessa para nada). A verdade, porém, é que o pulmão da escrita ainda é o mundo (que carece de provas para poder existir à margem da ficção). Por isso é que somos uma parte daquilo que negamos. Aliás, negamos a existência para poder existir melhor. A melhor parte do mundo é sabermos que a realidade pode ser um espelho demasiado enganador. O problema é que os espelhos são apenas simulações aproximadas do desejo de possuir uma série de orgasmos visuais. Os orgasmos visuais, esses, são experiências de mera sedução. Seduzir é ser fiel a uma máquina (mesmo que de ficção).

No fundo, sei que preciso pelo menos de uma imagem. Agarro na mochila, e fujo com essa imagem dentro do bolso. Embrulho-me nas costas da imagem. Só me interessam as costas da imagem. Fujo com uma imagem dentro do bolso, só assim é que consigo resgatar a primeira imagem do mundo. Só assim é que consigo acreditar que ainda é possível partir de novo. Parte da viagem nasce do consolo de saber que não tenho os pés encostados às costas, e que as costas não pertencem à geografia instável do crânio, e que o crânio é uma máquina bem diferente da máquina com que fotografo os passos e os gestos que me fazem percorrer esta cidade (o mundo é uma parte do estômago).

Basta colocar uma venda nos olhos para acreditar naquilo que acabo de escrever. Para acreditar no futuro basta tomar um comprimido (verde-amarelo-azul-laranja-roxo), neste caso, tanto faz, desde que entretanto se cuspam para fora do instante a transformar pela dor instantânea do devir. Experimentar-cair-levantar (tudo em nome da grande personagem do século). A grande personagem do século é o perigo do eterno caminhar. Do não ter de chegar. Eu sei que perdemos a bússola, que perdemos o mapa, mas a cabeça ainda é uma ponte que nos pode ligar à outra margem da cidade. Ainda nos resta acreditar que a vida não se resume a um simples «negativo do mundo», ou seja, neste caso, não basta procurar uma simples bolha de protecção. É preciso  é acreditar que ainda é possível inventar um novo paraíso (simular é preciso).

Nós sabemos que a máquina não pára de ganir. Que as imagens não param de sair (de circular, de andar, de vingar, de matar). Não vale a pena parar a máquina. É preciso é não abandonar o barco. É preciso é abrandar o passo. Não caminhar tanto. Respirar um pouco de ar puro. Ouvir uma música de Miles Davis. Um poema de Rimbaud. Uma história de Sarah Kane, etc. Ou então escutar apenas o silêncio de uma imagem que arde sem parar. A mochila, essa, continua às costas. Amanhã regresso de Nova Iorque. Depois vou para Berlim. Entretanto regresso novamente a Lisboa. O comboio, o barco, o avião partem todos às 6 da manhã.

Lembrar ou não lembrar, já pouco importa. Agora preciso é de abrir os olhos e lentamente erguer a cabeça em direcção ao tecto deste avião (olhar para este tecto é como tentar fotografar as pessoas que não consigo enquadrar). Tenho a cabeça a arder só de imaginar que não posso voltar as costas ao futuro. O melhor é continuar a fugir! Será o futuro apenas uma máquina de fazer regressar o presente ao passado? Enfim, a minha sorte é que as imagens não morrem, e o futuro está prestes a chegar. Para isso basta carregar no botão e o mundo jamais deixará de existir. O mundo jamais deixará de existir?

Há imagens que não servem para nada. Há outras que são eternas. Há animais que vivem mais do que os homens. Há pessoas que nunca chegam a nascer. Há deuses do tamanho das migalhas. Há pessoas que desejam morrer. Há viagens que nos transformam a vida. O avião está prestes a partir. O melhor é parar de pensar, caso contrário, já não consigo fugir desta viagem que nos pode matar…

Nota: Texto apresentado (com ligeiras alterações) no catálogo do projecto colectivo 2x8, entretanto realizado no Museu António Duarte (Caldas da Rainha), sob a curadoria de David Etxeberria, e que integrou trabalhos de Alexandra Marcos (Escultura), Susana Rosa (Pintura), David Etxeberria, Filipa César e Susana Anágua (Vídeo Arte),  Eusébio Almeida (Instalação), e fotografia de Sofia Martins.

domingo, 8 de novembro de 2009

O TERRORISMO DAS IMAGENS PODE MATAR...
Eusébio Almeida, instalação/performance, A caverna do facebook, Plataforma revólver em punho, LAB.BOX.aRT, Porto/Barcelona, 2009/10.

«A ficção pode libertar-nos do cansaço» (Kafka).

Quase como uma espécie de oração sem palavras. Maldita é a introdução do título de um livro que eu entretanto gostaria de escrever. “O Terrorismo das imagens pode matar” seria o título do livro, quase como se quisesse adiar a violência das palavras que se apressam a sair de uma experiência vivida (pessoalmente) no dia 11 de Setembro de 2004, em Nova Iorque, e da qual não me consigo esquecer. Colisões atrás de colisões. Choques frontais. Quedas sucessivas. Vozes trémulas, convulsivas, vulcânicas. Olhares cansados, vigiados, longínquos, ameaçados. Quase agrafados ao calor da fuligem das paredes acabadas de ruir. Respirações ofegantes, quentes, soletrantes, rasteiras (quase a tocar as entranhas do reverso da imagem de uma cidade prestes a desaparecer). Entradas e saídas entupidas. Estradas bloqueadas. Vidros partidos. Telefones desligados. Corpos entalados, atirados, sacudidos para fora das janelas dos prédios a arder. E entretanto a vontade de saltar de um décimo terceiro andar. Foram muitas, aliás, as pessoas que saltaram para se conseguirem salvar.

A verdade é que perante os ataques de pânico não há rede que nos salve (o chão não nos impede de cair). Os corpos a transpirar, a tremer, a vomitar, a gritar, a sussurrar ao ouvido de deus (surdo, mudo e cego) como «o deus das pequenas coisas». A violência dos corpos violados pelas espirais sem saída. As sirenes a tocar. Impedidos de falar. As bocas a salivar. Os corpos a tremer de frio. E o medo a espreitar dentro de uma espécie de castelo de cartas, prestes a ruir. Os braços levantados a pedir. O 112 a chamar. E as vozes roucas de tanto sufocar («suor, água e sangue, lágrimas, suspiros e gritos»). Tudo parecia estar demasiado inclinado para o acidente. Até o excesso de espera podia matar.

Mais um braço levantado a pedir, e outro, e outro, e mais outro…E um rasto desmedido de suor a atravessar o nosso pensamento à medida que tentávamos perceber a distância certa que nos podia aproximar de mais uma saída qualquer. As portas, essas, continuavam todas encerradas. Os elevadores todos completamente bloqueados. Os bombeiros não paravam de gritar - STOP. STOP. STOP. Trapézios sem rede. Jogos de azar. Jogos de xadrez. Jogos sujos. Jogos de dinheiro. Sem pára-quedas à vista. Pára-quedistas involuntários. E a vida apanhada desprevenida, quase como nos filmes de Vertov. E o dinheiro sem nos conseguir salvar, e nós sem conseguirmos salvar o dinheiro, quase como se vivêssemos dentro de uma espécie de caverna global (tão viciante e cavernosa como a do facebook), ou então dentro de uma espécie de «jardim zoológico sem grades» (sádicos do tempo/acrobatas da tempestade/políticos assassinos/terroristas do acaso).

Mas, o melhor é sacudir este pensamento para bem longe. Afinal, não é só disto que eu quero falar. A verdade, porém, é que há experiências que nos podem conduzir à loucura. Este pensamento quase que dava para me enlouquecer. Será que o melhor é esquecer? Dar meia volta, dar um murro no crânio e continuar desesperadamente a correr? Maldita introdução do título de um livro tão difícil de escrever, depois de ter estado fechado num vigésimo terceiro andar completamente a arder. Tudo isto, só me faz lembrar o «4.48. Psicose» de Sarah Kane. Mas, agora, é a metáfora dos corpos caídos que me parece provocar uma vontade desmedida de escrever. Talvez em nome dos corpos deitados no chão. Talvez em nome dos corpos deitados na cama. Talvez em nome dos corpos que morreram de pé. Talvez em nome dos corpos resgatados depois de terem caído dum centésimo décimo terceiro andar. Talvez em nome dos corpos ou apenas das imagens impossíveis de resgatar.

Perante tudo isto, alguém terá dito e escrito, de forma um tanto ou quanto melancólica - «é a vida». Não, não é a vida! Infelizmente, é a merda do dinheiro que comanda o poderoso mundo dos humanos (dos frágeis, patéticos, e vulneráveis humanos). Basta pensar, nas poderosas redes de tráfico humano, nas poderosas redes de pedofilia, nas poderosas redes de produção e de comercialização de armamento, nas poderosas redes de tráfico de droga, e de outros estupefacientes, nas poderosas redes de tráfico de órgãos humanos, etc, etc.

Mas o melhor é continuarmos a pensar que com ou sem as regras da dança do dinheiro, um dia tudo isto pode mudar (para melhor, esperemos nós que sim), já que para nosso próprio consolo individual, é bom saber que nenhuma conquista a começar pela conquista do dinheiro nos consegue “impedir de morrer”. Já viram se o dinheiro comprasse a morte? Quem é que não gostaria de comprar a morte? Eu sei, que ela às vezes se compra (mas só quando ela se deixa comprar), porque no limite dos limites não há dinheiro que nos salve, não há morte que se compre, porque a vida, essa, é a única coisa que temos. Por isso, perante a felicidade ou a infelicidade das regras do acaso, perante a felicidade ou a infelicidade de um caso sem regras, a verdade é que não foi por acaso que tudo isto aconteceu. A verdade é que fui salvo por acaso, e por acaso salvei alguém que perante as regras do acaso me salvou também das imprevistas regras do acaso, do acaso que salvou alguém. Mas, ao certo ao certo, não sei se fui salvo por acaso (por acaso fui salvo?) ou se por acaso salvei a vida de alguém. A verdade é que um dia destes terei de voltar a Nova Iorque, porque a vida, essa, continua sempre à beira do desastre.

domingo, 25 de outubro de 2009




ENTRE OS ORGASMOS DE DEUS E OS ORGASMOS DA MÁQUINA!






Eusébio Almeida, instalação, 2008/09

«A arte é uma droga que gera dependência»
(Marcel Duchamp).


Quando falamos do corpo, falamos também, quase sempre, da necessidade ontológica de recorrer não só ao imaginário do perigo, à metáfora da violência e aos fantasmas da provocação, como também ao imaginário dos jogos eróticos, dos rituais afrodisíacos e da violação de todas as proibições, quase como se quiséssemos sentir o prazer da vulnerabilidade de viver «rente aos limites incómodos do paradoxo» (Stig Dagerman).

Do paradoxo de não chegar à intimidade das coisas e das pessoas face à constante virtualização dos corpos e das relações, porque afinal vivemos cada vez mais agarrados ao consolo imediato do computador (ligados e desligados a uma multiplicidade de imagens sem qualquer tipo de espessura humana). É por esta e por outras razões que nos rebolamos em cima do teclado, em cima do ecrã, em cima do rato, quase como se toda «a proibição existisse para ser violada», quase como se todos os limites (aparentemente ilimitados) existissem para ser consumidos, em nome de uma espécie de prazer imediato (paixão/desejo/consolação), apesar da «nossa necessidade de consolo ser impossível de satisfazer», diria ainda Stig Dagerman.

Nesta perspectiva, Dagerman continuaria assim a escrever; «Procuro o que me pode consolar como o caçador persegue a sua própria caça, atirando sem hesitar sempre que algo se mexe na floresta do ecrã. Quase sempre atinjo o vazio, mas de tempos a tempos, não deixa de me tombar aos pés uma presa. Célere, corro a apoderar-me dela, pois sei quão fugaz é o consolo do sopro do vento que mal sobe pela árvore. Debruço-me. Tenho-a! Mas tenho o quê, entre os dedos? (…)». A verdade é que tendo tudo isto, é sempre demasiado escasso aquilo que tenho!

Apesar do sentimento algo ameaçador com que somos confrontados ao ler estas palavras, a verdade é que é esta espécie de «neurose obsessiva» da ordem da desculpabilização (freudiana) que nos impele a desejar intensamente aquilo que nos «falta». Será ainda esta noção de «falta» um dos grandes motores daquilo com que desejamos aquilo que desejamos? Desejamos aquilo que nos falta? Falta-nos aquilo que desejamos? (Tudo isto parece um interminável processo de circularidade tautológica do género da famosa metáfora da pescadinha de rabo na boca).

É por isso que Rosalin Krauss afirma que esta «lógica do desejo», mais do que uma lógica meramente especulativa, agora, é uma lógica da ordem do «real», da «ordem dos corpos», da ordem das «máquinas», tal como parecem ter sido estudadas por Deleuze no seu Anti-Édipo, quando este escreve ao dizer que; «o indivíduo completo desapareceu. Deu lugar a uma série de órgãos – seios, ânus, boca, vagina, pénis – que indiciam todos os desejos imperativos de qualquer sociedade dita moderna ou pós-moderna.

No fundo, é esta «lógica do desejo» (tão antiga quanto o próprio humano) que parece continuar a mobilizar, quer o fetichismo das imagens violentamente sexualizadas do «peep show» contemporâneo (protagonizado pela pintura, pela fotografia, pela publicidade, pelo vídeo, pela televisão, pelo cinema, pela Internet, etc), quer ainda pela obsessão do prazer auto-erótico e exibicionista do homem, ao transformar assim o corpo numa espécie de «valor facilmente «transaccionável».

Tão transaccionável, que consegue levar duzentas pessoas da alta sociedade portuguesa a descer às caves imundas de um hotel (cheio de água e lama estagnada), só para ver uma prostituta nua a roçar-se (em poses diversas) sobre uma pilha de carvão, diria alguém bem informado.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009


O NOVO PLANO TECNOLÓGICO


Eusébio Almeida, Performance (A caverna do facebook), Barcelona, 2009


«Todos nós temos necessidade de uma dessas ilusões protectoras, de uma nuvem que nos envolva e abrigue dos perigos do nosso tempo»
(a partir de Nietzsche).

PLANO A. entre a realidade e a ficção

Da «música do acaso» para o teatro da crueldade. Do cinema para a dança das cadeiras. Das artes plásticas para a poesia do código geral do trabalho. Da escrita concreta para a fenomenologia da carne (aprovada por decreto lei). Das tribos do polegar para as cicatrizes da mão esquerda (que luta contra a precariedade dos contratos a prazo). Porque a mão direita é essa máquina que alimenta a escravatura dos recibos verdes (no país dos contratos da treta), onde se escravizam milhares de licenciados, e se traficam mulheres à custa da lavagem de dinheiro sujo. Eis algumas das manobras do «capitalismo selvagem» a alimentar a tão famigerada «crise económica». Mas por sinal temos excelentes economistas (ministros, deputados, académicos, banqueiros, administradores, empresários…etc), a verdade, porém, é que eles têm mais que fazer do que tentar resolver esta monstruosa «crise económica». Aliás, o capitalismo é a arma que alimenta a alma dos corruptos. Por isso, é que o país está cheio de parasitas sofisticados, desses que desenham excelentes planos de pormenor, que nos permitem viver na cauda da Europa, e longe dos grandes projectos internacionais.

Mas não desanimem, dizem os patuscas do actual governo à medida que vão promovendo a grande «utopia» do Plano Tecnológico, como se este fosse uma verdadeira panaceia nacional, e não um plano de pormenor de um governo que acredita (ingenuamente ou não), que agora é que vai resolver os grandes problemas estruturais do país. A verdade é que estamos perante um plano cada vez mais inclinado que parece desenhar os três grandes pilares do futuro de Portugal na era da globalização (contra a teoria da saudade), ou seja, conhecimento, tecnologia e inovação/inovação, tecnologia e conhecimento. O círculo dentro do círculo. Os amigos dentro dos amigos. O circo repete-se. Os palhaços (são uma excelente figura de estilo) estão prontos para entrar no palco de uma qualquer assembleia da república virtual, e sussurrar ao ouvido dos eleitores algumas das medidas do novo ou do velho plano tecnológico.
Bibliotecas digitais. Criação de pólos tecnológicos. Facturação electrónica (agora é que o governo irá equilibrar o seu orçamento, como sempre à custa do Zé povinho, e não dos grandes empresários, que muitas vezes beneficiam de um regime especial de fiscalização – a fuga ao fisco. Ligação à Internet em banda larga (agora é que os milhares de analfabetos irão aprender a ler e a escrever, e com um professor virtual, então é que vai ser...). Bolsa de emprego científico (agora é que iremos todos conseguir emprego, para regozijo dos deputados mais preguiçosos). Laboratórios e redes de investigação com a participação das empresas (agora é que iremos evitar a deslocalização das nossas empresas para o estrangeiro, agora é que iremos evitar a fuga dos nossos cérebros, agora é que iremos ser geniais ou genitais, não se sabe).

Lá que o governo tenha um plano, mesmo que demasiado redondo, repetitivo, rasurado, isso estamos todos de acordo. Lá que o governo seja bom em matéria de retórica virtual, isso é uma indicação de que estudou bem as lições de marketing e publicidade. A verdade, porém, é que nada disto faz com que um plano (mesmo que estratégico) seja um bom plano, muito menos quando estamos a falar de um plano demasiado inclinado. Diga-se aliás, em abono da verdade, que em matéria de inclinação, temos tudo para ser os melhores do mundo, já que só nos falta evitar a queda e vencer o jogo da mediocridades e das assimetrias sociais e culturais, e depois é só deixar de bater com a cabeça no chão ou na parede e acreditar finalmente que é possível subir a escada da ilusão (fugir com o plano ou com a tecnologia na mão).
Dirão os leitores, que este plano tem o mérito de promover, pelo menos em teoria (teorias de bolso) o realinhamento de algumas ideias que se aproximam daquilo que seria um projecto ideal para um país ideal. Eu diria de forma vaga, que este projecto tem o vago mérito da cópia, que é a capacidade que os politicos tem de reproduzir em papel, aquilo que está constantemente a ser reproduzido no cérebro daqueles que acreditam que é possível (todos os dias) construir um mundo melhor…

PLANO B. Em construção...

domingo, 9 de agosto de 2009

TRAÇOS DO NOMADISMO CONTEMPORÂNEO (parte II).
do flâneur ao ciberflâneur
(em permanente construção)

Eusébio Almeida, Projecto - EM VIAGEM
Profissão: nómada/ciberflâneur


ANTES DA PARTIDA......milhares de Kms de terra vazia
a viagem vai começar
LISBOA - MADRID -BERLIM - MOSCOVO... a caminho do Norte da SIBÉRIA

a viagem de um nómada inquieto...

Próximo do ponto mais alto da «Montanha Mágica» onde ainda vivem as personagens do romance de Thomas Mann.

1 sonhador na sua bolha de protecção......

LISBOA + ISTAMBUL + SARATOV + TOMSK + CORRUPÇÃO + TURISMO SEXUAL + teoria do conhecimento + a vontade de partir em direcção aos montes de Tunsguska.

a cabana do artista revoltado

A extraordinária facilidade com que se cria um ABRIGO para proteger uma comunidade de doidos é muito semelhante à facilidade com que se cria um poema nas costas invertidas de uma imagem. Basta experimentar...

Eusébio Almeida, 2008-09
O Projecto "A arte pode matar" apresentado no âmbito do Ciclo de exposições 2x8 (comissariado pelo David Etxeberria), em 2007, no Museu António Duarte, Caldas da Rainha, ganhou uma nova extensão criativa em forma de Work in Progress, chamando-se agora "A Cabana do Artista Revoltado" (projecto móvel/nómada).


no mar das Caraíbas...

AS MICRO-UTOPIAS DE UM ETERNO SONHADOR ...

A caminho do deserto, a norte da estrada do sul (via do Ingresso para toda a parte). Ulrich, 09

o prazer de caminhar à beira mar....................

Berlim 09 - de costas voltadas para o céu

Uma mochila às costas. Um saco cama. Uma garrafa vazia. Uma máquina a roncar no meio da praia. A cabeça cheia de ligações... Um caderno cheio de apontamentos demasiado obscuros. Uma tese de Doutoramento para terminar. Uma cidade ao pé dos pés, pronta a redesenhar. A última vez que cá estive foi no Verão de 2000 (pós-curso Caldas). A viagem está quase a terminar. Aproxima-se Setembro, e a urgência de continuar a pensar no eterno desconforto da fragilidade de todo o conhecimento. É a luta de continuar a caminhar, agora, em direcção a outras paragens. Mais obscuras. Mais formais. Mais instrumentais. Demasiado paradoxais até. Sim, até começar a nova instrumentalização do conhecimento. Para quê?

Simplesmente para continuarmos vivos! Para continuarmos vivos? Sim, não fazemos nós tudo, simplesmente para continuarmos vivos? Sim, porque a morte, essa, é uma puta, já dizia esse grande escritor e viajante, e caçador de baleias chamado Hemingway, que um dia deixou de pensar e de escrever, simplesmente para continuar a viver melhor.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

NOTAS SOBRE A TEORIA DA VIAGEM OU TRAÇOS DO NOMADISMO CONTEMPORÂNEO (parte I).



Fig. 7 -A caminho de Veneza


«Toda a narrativa é uma narrativa de viagem»
( Michel de Certeau).


Fechar os olhos. Abrir um livro ao acaso. Saborear uma barra de chocolate, e um vinho de Bordeaux ou um cálice de champanhe de Epernay. Mergulhar nas águas transparentes do oceano e viver rodeado de azul a bordo de um cruzeiro qualquer em alto mar. Fazer escala em Barcelona, Bruxelas, Praga, Viena, Berna, Génova, Veneza, Roma, Florença…etc. Desejar o burburinho de vilas e cidades tão reais como a lista interminável das Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino, até que as âncoras se levantem, os motores voltem a funcionar, e a mecânica da viagem acelere o meu desejo de partir (qual nómada inquieto), quase como se nada me conseguisse deter, como se nada me fizesse parar, à medida que tentarei fugir do anestesiante espaço do estar (sedentarismo) para o interminável espaço do andar (nomadismo).

Andar…Andar…Andar…Apanhar o comboio para Paris. Visitar a Tenda de Ben, e o Museu Portátil de Duchamp, mas também a Cruz Negra, e o Homem que corre de Malévich, etc. Depois, é só apanhar o autocarro para Amesterdão e Berlim. O barco para Copenhaga e Estocolmo. O TGV para Varsóvia e Praga. O comboio para Viena e Budapeste. O camião para Zagreb, Belgrado, Sarajevo e Bucareste. O avião para Istambul e depois para Nova Iorque. O metro para Manhattan, e o táxi para a Times Square…mais uns telefonemas para Tóquio, uns e-mails para Lisboa, outros para Moscovo, e ainda outros não sei muito bem para onde. Entretanto, aproveito para descansar num banco do jardim junto à estátua de Andersen, à medida que vou balbuciando algumas palavras de protesto contra a famosa instalação de Christo, no Central Parque, enquanto esta se balança ao sabor do vento agitado da manhã, quase como o Pêndulo de Foucault (U. Eco) a balançar dentro da mochila que carrego às costas. A seguir não posso deixar de passar pelo misterioso coração de Nova Iorque, esse “museu alternativo” (paredes do metro) que viu nascer alguns dos primeiros trabalhos (graffitis) de Basquiat, de Keith Haring, e de tantos outros artistas, antes destes se terem deixado engolir pelos tentáculos do mercado da arte.

Tantas coisas a visitar em Nova Iorque (o Moma, o Metropolitan Museum, o Frick Collection, o Museum of Natural History, o River Café, a Brooklyn Bridge, a Broadway, o Empire State Building, o Central Park, a Washington Square, o Rockefeller Center, mas também os famosos cafés literários da Greenwich Village, a atmosfera exótica da Chinatown, a assustadora decadência de Bowery, o ambiente pesado do Bronx (Zoo), a poesia revivalista dos artistas boémios da nova “beat generation” do SoHo, para além de uma curta passagem pela capital negra dos Estados Unidos - o Harlem, etc, etc, etc), tudo isto antes de partir pelas infindáveis estradas poeirentas do Texas e do México (rumo ao sul) pelos caminhos anteriormente trilhados pelo atormentado Jack Kerouac. Depois é só apanhar o avião para Londres, agora, para ver uma exposição dos Young British Artists (YBAs) na nova Saatchi Gallery (entre chaminés de mármore, colunas clássicas e tectos abobadados). Entretanto encontro no Time out (a bíblia dos guias londrinos) uma nova exposição de Tracey Emin, e da sua famosa cama cheia de esperma ontológico (Prémio Turner em 2000).

Depois apanho boleia até Brighton, passo novamente por Paris, e sigo em direcção às ruas estreitas e compridas de Toledo (pela puerta de Visagra/Séc XVI). Aqui é só subir e descer ruas. Subir e descer escadas. Andar de gatas (ao ritmo da Idade Média). Tropeçar. Cair. Levantar. Quase como se quisesse muscular a lucidez dos passos que acabo por desenhar no chão da cidade (povoada de “quadros-cópias” de El Greco), por onde acabei agora de passar ao tropeçar em placas de trânsito que me indicam a saída em direcção a Portugal. Tudo isto para dizer, que podia estar (apenas) sentado à frente do computador, ligado à net, ligado ao mundo, ligado à vida, a viajar pelos labirínticos bosques da ficção ou da hiperficção, quase como uma espécie de turista sentado (ciberflâneur) à medida que seria hiperestimulado pelos múltiplos dispositivos da experiência simulacral desse jogo alucinatório das novas «sensibilidades artificiais» (o mundo à distância de um click).

Mas a verdade, porém, é que nada parece substituir esta vertiginosa vontade de errar, de deambular, de transpirar, de tocar, de gritar, de traçar e de experimentar o caminho com as nossas próprias mãos cravadas no chão, no ar, na terra, no mar, e não apenas no teclado. Quase como se quiséssemos sentir na pele, o calor, o frio, o sabor e o cheiro das palavras do poeta António Machado quando este escreve ao dizer que «não há caminhos, há que caminhar. O Caminho faz-se caminhando», tal como Henri Michaux, a bordo do seu “Boskoop”, no mar, a caminho do seu famoso Equador.


LINHA B. - Até que ponto é que uma viagem pode mudar uma vida? Até que ponto é que uma vida se pode mudar com uma simples viagem?

LADO C - Em permanente construção...

Eusébio Almeida a caminho do deserto…

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

UM ESCRITOR DEITADO NA CAMA OU AS NOVAS METODOLOGIAS PARA DESTRUIR UMA OBRA DE ARTE.



Fig.8 - Tracey Emin - My Bed - 1998/2000.

«A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer» (Stig Dagerman).
Tracey Emin é uma daquelas artistas que gosta imenso de se esfregar no chão antes de começar a produzir uma obra de arte. Parece um animal cheio de raiva a mexer nos buracos infinitamente grandes do fio ontológico do horizonte. Gestos lentos. Passos largos. Voz inocente. Corpo decadente. Quase como nos concertos verdadeiramente existênciais de Amy Winehouse. Deitada em cima do quadro. Em cima do palco. Em cima da cama. De pijama vestido. De meias vermelhas. De copo na mão. Comprimidos no chão. Todos os livros de teoria da deriva na cabeça. De Platão a Rimbaud, de Hegel a Nancy, de Baudelaire a W.Benjamin, de Deleuze a Blumenberg, de Poe a Steiner, passando por Nietzsche (a sua grande paixão), o da «morte de Deus», não o da imortalidade da vida. Sim, exactamente, o da SIDA, o da sifílis, o da gonorreia, o da besteneia, etc).
A mão esquerda levantada em direcção a uma tela em branco. Os dedos enfiados dentro de uma lata de tinta ou de sangue ou de esperma ou de merda. Ajoelhada ao pé da cama. De costas dobradas. De pernas abertas. De gatas. Com a barriga encostada ao colchão para absorver melhor as palavras que correm da boca. Os dentes cravados numa página de Kant. Até atingir os limites ilimitados do orgasmo. O consolo da leitura não a impede de vaguear pelos excessivos caminhos da loucura. Parece uma deusa à beira do desesespero...
TRACEY EMIN -Uma ARTISTA que deseja vingar ou vingar-se da morte? Mas, afinal, o que é um ARTISTA senão alguém cheio de qualidades deitado na cama. Uma palavra de Platão. Uma frase de Rousseau. Um verso de Rimbaud. Um parágrafo de Hegel. Uma página de Nietzsche. Um livro de Deleuze. Uma obra de um autor desconhecido...Ela que acabou de comer uma página de Kant. Mais uma página de Kant para o lixo. Lixo Kantiano. Qual razão pura? Viva a impureza da razão. A Filosofia da acção. A estética da vida.


Fig. 10 - Paulo Mendes (Performance),
EX-LOVE, Galeria Zé dos Bois, Lisboa.


«A morte é uma puta»,
já dizia Hemingway, esse extraordinário caçador de baleias
.
De livro e de faca na mão o escritor não sabe o que fazer. O que fazer, afinal? O poeta Manuel Gusmão diz-nos que «todas as coisas podem e devem ser lugares de pensamento». Quase como se nos quiséssemos agarrar a uma bóia e desaparecer em alto mar. Naufragos de garrafa vazia?
A verdade é que não há abrigos seguros. Nem lugares proibidos. Basta o erotismo das palavras com que tentamos escrever os traços gerais de uma mera «ficção teórica» à maneira de Lacan. Porque na prática tudo são meras ficções! Ficções ou dicções? Ficções de ficções de ficções. A história dentro da história. A palavra dentro da palavra. A arte dentro da arte. A escrita dentro da escrita. O lixo dentro do lixo. A imagem dentro da imagem. Figurações utópicas? Distopias? A verdade, é que é preciso inventar até ás últimas consequências. É preciso cagar deitado para podermos morrer de pé. Morrer de pé? Sim, tal como aconteceu com a actriz Hupper, quando esta representou a peça 4.48. Psicose, de Sarah Kane.
Afinal, estamos para aqui a falar, a falar, mas o que é que é urgente pensar, dizer e fazer acerca do nosso tempo? Tenho a estranha sensação de que a «nossa película de normalidade é muito fina», já dizia José Bragança de Miranda, quando reflectia sobre as problemáticas do corpo enquanto palco de intervenção ou do corpo enquanto tábua de passar a ferro, diria eu. São as temperaturas do corpo? As altas temperaturas? A verdade, é que dentro e fora da nossa «pequena ficção», nós podemos inventar tudo. Ballard, inventou o desastre em cadeia. Sarah Kane inventou a morte em cadeira de rodas. Outros autores inventaram a máquina de escrever. Outros a bomba atómica. Outros ainda a guerra civil. A suméria inventou a escrita. A Idade Média a morte e a tortura em cadeia. A modernidade inventou a revolução dos transportes e a crise da civilização. E nós inventámos o quê? A verdade, é que cada um de nós tem que inventar alguma coisa, senão estará verdadeiramente fodido. Só isso é que nos ligará à vida. De facto é preciso continuarmos a tocar na vida, já dizia esse grande poeta chamado Rimbaud, já que «a morte é uma puta» dizia esse grande caçador de mulheres e de baleias que foi Hemingway.
Por isso, de costas voltadas para o céu, só nos resta lutar contra a nossa própria guerra civil!?

quinta-feira, 30 de julho de 2009

CRIME E CASTIGO DE DOSTOIEVSKY


Fig.6 - Eusébio Almeida, Performance inspirada
no «Crime e Castigo» de Dostoievsky, Museu Vostell
(Caceres/Malpartida), 2008, Espanha.



«Quem não estiver plenamente vivo na existência terrena, também não o estará depois da morte» (The absolute collective, de Erich Gutkind)


Entro na cabana solitária.
Sento-me na cadeira de baloiço.
Abro a porta do armário e retiro um pedaço de papel.
Pego numa faca bem afiada e começo a cortá-lo aos bocadinhos.
O papel começa a gritar.
O sangue a escorrer sem parar.
Largo imediatamente a faca…
Fujo com a faca na mão em direcção a uma pilha de livros.
Espeto a faca em cima do primeiro livro que me aparece à frente (Crime e Castigo, de Dostoievsky).
O livro não suporta o peso da faca.
A faca não é uma faca.
A faca é o desejo do poeta revoltado.
O desejo é o esboço duma vida.
A vida não suporta tanto peso.
Por isso, desenho um círculo com os pés e escondo a faca lá dentro.
Ela começa a chorar. Quer sair. Quer fugir. Quer matar.
A faca quer matar as personagens do livro.
De faca na mão, abro novamente o livro.
De faca e de livro na mão.
Não sei o que fazer…
O melhor é largar o livro?
O melhor é largar a faca?
O melhor é largar a faca e espetar o livro no chão?
O melhor é largar o livro e correr com a faca na mão?
O melhor é não largar a faca?
O melhor é não largar o livro?
A faca acabará por perder a cabeça,
e o livro por justificar o crime do poeta revoltado…………(Eusébio Almeida).

segunda-feira, 27 de julho de 2009

CAMPO DE SOBREVIVÊNCIA

Fig.5 - Dan Graham à beira do desespero...

Tal como eu, há muitos jovens que procuram uma espécie de campo de sobrevivência (uma espécie de bolha de protecção que os ajude a suportar melhor o perigo vertiginoso de estarem vivos). Porque não é nada fácil suportar os inúmeros perigos da vida! Este campo de sobrevivência seria uma espécie de cabana criativa ou então um refúgio intelectual, não só capaz de alimentar alguns dos nossos sonhos, mas também algumas das nossas mais exuberantes perversões (da ordem da paranóia, da esquizofrenia, da psicose obsessiva ou da deambulação libertária).

Parece-me que existe em Tancos (próximo do famoso Castelo de Almourol) o esqueleto anatómico de algo semelhante uma tal cabana (uma cabana perdida no fio do horizonte do rio Tejo). Será esta cabana parecida com a velha cabana de um pescador de enguias ou de trutas imaginárias? Ou será mais parecida com uma clássica tenda de campismo? Não, esta é uma tenda verdadeira (de madeira, com janelas de vidro, com bancos de pedra, e um forno onde se pode aprender a cozer o pão, exactamente como na Idade Média...).

Será esta uma cabana que pode ser utilizada nos roteiros do novo turismo cultural? Eu diria antes que é uma cabana mais indicada para bichos do mato (escritores sem qualquer livro publicado, artistas revoltados, investigadores solitários, poetas esquizofrénicos, velhos psicóticos, jovens libertários, músicos silenciosos, espíritos selvagens, jovens inadapatados ou cineastas amantes da natureza, etc). Estas seriam as castas sociais mais indicadas...radicalmente mais indicadas!
Uma espécie de turismo de e para amantes da arte-lixo-luxo (ou fartos dos novos luxos demasiado artificiais). Uma espécie de residência artística para os amantes do velho luxo (quase como se estes quisessem conquistar o tempo que foge à velocidade da luz nos grandes centros urbanos ou como se quisessem conquistar o velho silêncio da estepe Russa ou da montanha portuguesa). É nesta perspectiva que desejo criar uma nova forma de fazer turismo em Portugal (sem casa, sem PC, sem telemóvel, sem tv, sem jornais, apenas o fetiche da metáfora e da experiência errante de um nómada inquieto...). Eis uma nova forma de fazer turismo. Turismo criativo ou turismo de autor...

Nota: Reflectir sobre as breves considerações de Steiner feitas a propósito da cabana de Thoreau, apresentadas no livro «O silêncio dos livros, seguido de Esse Vício ainda impune», de Michel de Crépu. Livro editado pela Gradiva em Junho de 2007.

sábado, 4 de julho de 2009

PARA QUE UM SOBREVIVA O OUTRO TERÁ QUE CAIR?


Fig.3 - Vito Acconti - O prazer virtual

«Toda a gente é forte desde que queira»
(Sainte-Beuve)
Ninguém é bom demais para não se deixar viciar por alguma coisa (droga, sexo, dinheiro, poder, preguiça, fama, trabalho, política, leitura, jogos interactivos, etc, etc.).



Sofres de insónias?
Snifa um blogue, e come uma bolacha cheia de veneno.
Ou então escava um poema no crânio da página ou na racha do betão.
Um poema é pior que uma máquina de partir pedra.
Um poema é uma espécie de retroescavadora a triturar
os sonhos de uma vida sem sentido.
Mas não te preocupes porque a vida ainda não termina aqui.
Eu sei que não há biometafísica no mundo das frases.
Há apenas desejos e os homens do terror.
Amor? Que se foda o amor!
Só interessam as viagens, as derrapagens,
as paragens e os grandes dissabores.
Não penses muito nisso,
senão ainda assassinas a vontade de viver.
É que a vida é a única coisa que temos.
Por isso, não encenes demasiado aquilo que imaginas.
Vive tal como sonhas ou então sonha
tal como vivem as personagens do Teatro completo»
de Sarah kane (a última dramaturga morta do século XX).
Ela que se fartou de viver. De comer. De foder.
Queria mais tensão. Mais tesão. Mais ilusão.
Fodeu-se? Ou foderam-na?
Ela que repetia, vezes sem conta,
que «a vida é uma merda!».
Enfim, não suportou o peso da velha História das mentalidades,
agora pendurada no esqueleto da sua própria vida.
Deixou-se vergar pelas forças intragáveis da escrita.
Da escrita maldita do poema que mata.
(Cuidado! Porque a arte de facto pode matar...!).
Foi ver os pombinhos da rua do inferno.
Deixou de ser terrestre. De ser terrena. De ser morena. De ser artista.
Foi tocar na vida, para não ser mais violada pela frustração da incontinência
do eterno pensamento de uma qualquer miniatura de Deus
(Deus, eis a imagem que mata).

Há pessoas que são incapazes de suportar o peso da vida.
Vergam facilmente...
Por isso, não te deixes vergar, nem pelo peso,
nem pelo silêncio da vida.
Sonha! Combate! Luta! Vive!
Para ganhares a vitória final!
Assim, um dia serás eterno!
Como as moscas sagradas?
Ou como as formigas que esmagas?
CONTRA OS DONOS DA CORRUPÇÃO...






Fig.4 - Eusébio Almeida, Sexo e Terrorismo, Pintura a óleo s/tela, 2007, Colecção do Palácio do Correio Velho, Lisboa.

Nota do autor: este trabalho foi desenvolvido a partir do livro «Os Homens do Terror», de Hans Magnus Enzensberger, publicado pela primeira vez em Frankfurt, em 2006.

Quem são, porque matam e morrem os terroristas de hoje, eis algumas das mais interessantes questões levantadas no livro acima enunciado.


Existe uma edição Portuguesa, publicada pela Sextante Editora (Não Ficção), 1ª edição, Março de 2008.

sábado, 27 de junho de 2009

O CORPO NA ERA DIGITAL OU O DESEJO DE SER ETERNO



Fig.2 - Vanessa Beecroft + Eusébio Almeida, Performance, Guggenheim Museum, New York, 2008.


«Só há quatro coisas importantes na vida - comer, cagar, foder e morrer. Se fizeres bem as três primeiras, a quarta não te parecerá tão deprimente». (Patrick Neate)


Quando falamos do corpo, falamos também (quase sempre) da necessidade ontológica de recorrer não só ao imaginário do perigo, à metáfora da violência e aos fantasmas da provocação, como também ao imaginário dos jogos eróticos, dos rituais afrodisíacos e da violação das proibições, quase como se quiséssemos sentir o prazer da vulnerabilidade de viver «rente aos limites incómodos do paradoxo» diria Stig Dagerman. Do paradoxo de não chegar à intimidade das coisas e das pessoas face à virtualização das relações, porque afinal vivemos cada vez mais sentados à frente do computador (rebolamos em cima do teclado, em cima do ecrã, em cima do rato), quase como se toda «a proibição existisse para ser violada», quase como se todos os limites aparentemente ilimitados existissem para ser consumidos, em nome de uma espécie de prazer imediato (felicidade/consolação), apesar da «nossa necessidade de consolo ser impossível de satisfazer», diria ainda Stig Dagerman.

Nesta perspectiva, Dagerman continuaria assim a escrever; «Procuro o que me pode consolar tal como o caçador persegue a sua própria caça, atirando sem hesitar sempre que algo se mexe na floresta (do ecrã). Quase sempre atinjo o vazio, mas de tempos a tempos, não deixa de me tombar aos pés uma presa. Célere, corro a apoderar-me dela, pois sei quão fugaz é o consolo do sopro do vento que mal sobe pela árvore. Debruço-me. Tenho-a! Mas tenho o quê entre os dedos? (…)». Tendo tudo isso, a verdade é que é sempre demasiado escasso aquilo que tenho! Apesar do sentimento algo ameaçador com que somos confrontados ao ler estas palavras, a verdade é que é esta espécie de «neurose obsessiva» da ordem da desculpabilização freudiana que nos impele a desejar intensamente aquilo que nos falta. Será ainda esta noção de falta um dos grandes motores daquilo com que desejamos aquilo que desejamos? Desejamos aquilo que nos falta? Falta-nos aquilo que desejamos? (Tudo isto parece um interminável processo tautológico).

É por isso que Rosalin Krauss afirma que esta «lógica do desejo», mais do que uma lógica meramente especulativa, agora, é uma lógica da ordem do «real», da «ordem dos corpos», da ordem das «máquinas», tal como foram estudadas por Deleuze no seu Anti-Édipo, quando este refere ao escrever que «o indivíduo completo desapareceu. Deu lugar a uma série de órgãos – seios, ânus, boca, vagina, pénis – que indiciam todos os desejos imperativos de qualquer sociedade dita moderna ou pós-moderna.

No fundo, é esta «lógica do desejo» (tão antiga quanto o próprio humano) que parece continuar a mobilizar, quer o fetichismo das imagens violentamente sexualizadas do «peep show» contemporâneo (protagonizado pela pintura, pela fotografia, pela publicidade, pelo vídeo, pela televisão, pelo cinema, pela Internet, etc), quer ainda pela obsessão do prazer auto-erótico e exibicionista do homem, ao transformar assim o corpo numa espécie de valor facilmente transaccionável. Tão transaccionável, que consegue levar duzentas pessoas da alta sociedade portuguesa a descer às caves imundas de um hotel (cheio de água e lama estagnada), só para ver uma prostituta nua a roçar-se (em poses diversas) sobre uma pilha de carvão, diria alguém bem informado.
BREVE APRESENTAÇÃO DO PROJECTO MICRO-UTÓPICO


Fig.1
Eusébio Almeida, performance, 2008,
Museu das Micro-utopias.


«Tudo deve servir para pensar». (José Bragança de Miranda)

«A arte é uma droga que gera dependência»
(Duchamp)

Depois da falência declarada dos chamados grandes sistemas teóricos com pretensões de explicação absoluta da realidade(s), e das inúmeras crises de sentido operadas pelos mais variados autores. Depois da alegre sensação de que todos ou quase todos os fundamentos teóricos ruíram (a perda generalizada dos fundamentos), ou de que todos ou quase todos os projectos ideológicos falharam. Depois dos múltiplos escombros deixados pelas «filosofias da suspeita» (Marx, Nietzsche, Freud, Heidegger, etc), e da enorme frustração dos seus eternos seguidores, agora, completamente desencantados ou desiludidos com as inúmeras filosofias idealistas e tecnicistas do progresso.
Depois de todas estas fragilidades do conhecimento e do «empobrecimento da experiência» moderna (W. Benjamin), afinal, o que é que nos resta? O que é que nos resta?

Resta-nos, certamente, como diria Lyotard «começar a interromper o terror teórico», ou seja, agora a nossa grande tarefa consiste em começar a «destruir toda a teoria», o que só pode acontecer sob a forma das mais inquietantes paranóias contemporâneas. Na prática, significa acreditar nas múltiplas possibilidades do "impossível" ainda acontecer, agora sob o efeito tautológico de muitas outras formas ditas de carácter criativo. Por isso, neste sentido nada melhor do que começar pela obra de Duchamp.
Já agora convém salientar que antes de Duchamp (considerando a obra de Duchamp como a verdadeira matriz da arte contemporânea) a arte, na Europa e no resto do mundo, não passava de um enorme mosaico repleto de «imagens» demasiado figurativas, feitas à medida do laboratório pictórico dos artistas da época, que pincelavam, obsessivamente, o rosto do século XIX, em busca de um qualquer «paraíso perdido» (Seurat, Paul Gauguin, Van Gogh, Cézanne, Toulouse-Lautrec, Monet, Manet, Degas, James Ensor, Matisse, etc.) isto só para referir um número muito reduzido de artistas (a lista seria verdadeiramente interminável).

Depois Kandinsky terá dado os “primeiros” passos até chegar ao primeiro quadro abstracto datado de 1910. Entretanto surgirão os dadaístas (Janco, Tzara, Hans Arp, Ball, Man Ray, etc), não só com as suas enormes “patetices em verso” (grunhidos e guinchos ontológicos), e os seus entretenimentos cacofónicos (homo ludens), mas também com os seus protestos contra «o significado da história», e o «derrube» da civilização ocidental. Depois virão os surrealistas, com as sua múltiplas alucinações, as suas fantasmagorias, os seus «automatismos psíquicos», capazes de gerar uma imagética gritante, neurótica, ameaçadora, inventiva, automática, paranóica, febril, compulsiva, arrebatadora, ou seja, encarando assim a arte como uma espécie de «extensor da criatividade», segundo Abraham Moles, ou uma espécie de estrutura variacional do mundo (cheio de dobras, de esquinas, de arestas difíceis de limar). É verdade, que antes de tudo isto, já tinham sido pintados alguns gritos de raiva e de protesto, como os de Munch (1893). É verdade, que já tinham inventado a fotografia (Niepce/1826), que levará, mais tarde, à descoberta do cinema, da televisão, do vídeo, do computador, etc.

Enfim, podíamos continuar a referir, indefinidamente, um sem número de obras e de artistas, mas uma coisa é certa, só depois de Duchamp, é que apareceram todos aqueles grandes “criadores” que acabaram por marcar a História das Artes Visuais (de Warhol a Bruce Nauman - de Pollock a Fontana - de Arman a Vostell - de Donald Judd a Calder - de R.Horn a R.Serra - de R.Smithson a R.Long - de Christo a J.Beuys - de Dan Graham a Marina Abramovic - de G. Richter a Burden - de Merz a Louise Bourgeois - de Matta Crark a Boltanski - de Jeff Koons a Gormeley - de Kiki Smith a Ilya Kabakov - de Nam June Paik a Hans Haacke -de Jenny Holzer a Barbara Kruger - de Gary Hill a Bill Viola - de Tony Oursler a Nan Goldin - de Jeff Wall a Cindy Sherman - de Thomas Ruff a Walker Evans - de Tracey Emin a Olafur Eliasson - de Stan Douglas a Larry Clark - de V.Beecroft a art club 2005 – de Jeffrey Shaw a Stelarc, etc, etc.

Por isso, a obra de Duchamp, como uma das principais matrizes da arte contemporânea, não só terá perseguido e questionado o futuro das práticas artísticas e da cultura em geral, com a pluralidade heterogénea dos seus ready-mades, como também terá aberto um caminho (muitos outros caminhos possíveis), a partir da subtileza demasiado irónica do seu autor, considerado, assumidamente, como um grande provocador/manipulador/disseminador dos tais “objectos sem arte” (um «objecto absolutamente qualquer» diria Harold Rosenberg, a propósito das «escolhas» de Duchamp). Aliás, o próprio Duchamp escreveria em «Duchamp du Signe», que a escolha desses ready-mades não lhe tinha sido ditada por um qualquer deleite estético, bem pelo contrário, «essa escolha teria sido fundada numa espécie de indiferença visual, recombinada ao mesmo tempo com uma ausência total de bom ou mau gosto, na realidade, essa escolha teria sido feita em função de uma anestesia completa dos sentidos» (Marcel Duchamp, Paris, 1975, p.191).

Nesta perspectiva, Duchamp, não só terá conquistado uma posição algo privilegiada no contexto da arte que lhe permitirá escolher tudo aquilo que ele quiser («ausência total de bom ou de mau gosto»), não sei se no sentido de negar um determinado «acto criador», mas pelo menos, no sentido de fundar um novo «processo criativo», que parece resultar da investigação projectual das suas próprias fantasias ontológicas (transformadas depois em mecanismos formais, conceptuais e estéticos).

No fundo, estes terão sido alguns dos recursos, algumas das condições ou algumas das novas categorias (resultantes da «crise» de muitas das outras categorias anteriores), não só capazes de redesenhar mudanças, redefinir processos e naturezas diversas no âmbito das práticas artísticas, como também capazes de convocar novas condições de produção e de recepção cultural da obra de arte («polinização cruzada»), quase como se tudo estivesse demasiado disponível para ser rearticulado, reapropriado, remisturado, redesenhado, recriado, reintegrado, agora, sob a forma de muitas outras potencialidades «pós-objectuais» agenciadas segundo a ordem destas novas formas de acesso ao real.

Dito de outra forma, diríamos que depois de termos cartografado (resumidamente é certo), alguns dos múltiplos sintomas da arte contemporânea, o que se verifica é que continua a existir uma enorme diversidade de possibilidades (ligadas aos novos media tecnológicos, e não só), que parecem querer convocar muitos outros «pequenos começos» (no âmbito das novas práticas artísticas). Estes seriam, porventura, os novos começos de uma qualquer versão micro-utópica (a versão de uma qualquer outra versão feita a partir de versões de versões de uma qualquer outra versão), ou os começos de uma qualquer outra ficção ou hiperficção, mais real que o próprio real ou «hiper-real», isto para utilizarmos uma expressão muito recorrente na obra de Jean Baudrillard (entre muitos outros autores). De qualquer forma, a arte seria sempre uma forma de ficção capaz de se «abrir em todas as suas dimensões, extensível a outras coisas; podendo ainda ser decomposta, invertida, recombinada e constantemente alterada», diria Umberto Eco, não sei se a propósito da sua relação com o «mundo verdadeiro», já que o «mundo verdadeiro parece ter sido destruído por nós», diria Nietzsche, ou se a propósito da sua relação com uma qualquer outra «imagem do mundo».

Ou seja, se é verdade que por um lado não sabemos exactamente o que é que se passa à nossa volta (já que nem sempre conseguimos controlar tudo aquilo que nos rodeia, em termos artísticos), por outro lado, é verdade que vivemos, cada vez mais intensamente mergulhados numa «rede» interminável de relações a que todos nos sentimos, mais ou menos ligados e desligados, onde «tudo é breve, limpo, básico», mas também onde tudo é rápido, impuro e instável. São jogos e ironias, prazeres e simulações, tribos do desejo e bolhas de esperança, movimentos de queda e cenas de posse, tiras de discurso e práticas de bolso, mas também corpos densos, tensos, intensos, porosos, líquidos, inflamados, eléctricos, esburacados, moles, plásticos e elásticos, numa multiplicidade de «encontros» (reais e virtuais), com as novas linguagens da arte.

Na prática, basta pegar no rato e alimentar o «polegar» com uma multiplicidade de linhas de fuga ou de práticas interactivas agenciadas, neste caso, segundo a ordem dos novos media tecnológicos sintomáticos da experiência contemporânea (assumidamente sob a designação taxionómica de cyber art, net art, web art, new media art, electrónic art, etc). É verdade que todos estes recursos, podem e devem servir, não para nos confundir, não para nos anestesiar, mas para nos ajudar a pensar e a problematizar sobre as múltiplas condições de possibilidade desta armadilha demasiado eufórica das imagens aceleradas do mundo actual (do actual mundo das imagens), isto para que consigamos viver de várias maneiras diferentes, e não apenas ao sabor do ritmo infinitamente variado de mais um desdobramento qualquer (um número indefinido de vezes). Estes serão, porventura, alguns dos sintomas decorrentes da plasticidade da linguagem interactiva da arte e da vida a oferecer-nos a possibilidade de reinventarmos novos programas fictícios de correcção da imagem do mundo, quase como se quiséssemos desdobrar, expandir e prolongar o «real», em nome de muitas outras «ligações» («ligações livres», «ligações técnicas», e «ligações atractivas»), quase como se o mundo fosse a mais pequena parcela do ecrã ou então como se o ecrã fosse a maior parcela do mundo. Neste caso, não sei se o mundo reduzido a um simples quadrado pouco expandido («células miniaturizadas» de mundo), ou se reconduzido à sua expansão total, quase como se ainda fosse possível viver dentro de uma mera campânula de vidro ou de uma simples bolha protectora? Será possível, ainda hoje, reinventarmos essa tal bolha protectora? Será possível encontrar essa espécie de campo de sobrevivência, capaz de alimentar os nossos sonhos e de atribuir sentido às nossas mais elevadas aspirações? Só o tempo dirá! E o tempo, esse, corre à velocidade da luz...

Eusébio Almeida a caminho do deserto...