quinta-feira, 30 de julho de 2009

CRIME E CASTIGO DE DOSTOIEVSKY


Fig.6 - Eusébio Almeida, Performance inspirada
no «Crime e Castigo» de Dostoievsky, Museu Vostell
(Caceres/Malpartida), 2008, Espanha.



«Quem não estiver plenamente vivo na existência terrena, também não o estará depois da morte» (The absolute collective, de Erich Gutkind)


Entro na cabana solitária.
Sento-me na cadeira de baloiço.
Abro a porta do armário e retiro um pedaço de papel.
Pego numa faca bem afiada e começo a cortá-lo aos bocadinhos.
O papel começa a gritar.
O sangue a escorrer sem parar.
Largo imediatamente a faca…
Fujo com a faca na mão em direcção a uma pilha de livros.
Espeto a faca em cima do primeiro livro que me aparece à frente (Crime e Castigo, de Dostoievsky).
O livro não suporta o peso da faca.
A faca não é uma faca.
A faca é o desejo do poeta revoltado.
O desejo é o esboço duma vida.
A vida não suporta tanto peso.
Por isso, desenho um círculo com os pés e escondo a faca lá dentro.
Ela começa a chorar. Quer sair. Quer fugir. Quer matar.
A faca quer matar as personagens do livro.
De faca na mão, abro novamente o livro.
De faca e de livro na mão.
Não sei o que fazer…
O melhor é largar o livro?
O melhor é largar a faca?
O melhor é largar a faca e espetar o livro no chão?
O melhor é largar o livro e correr com a faca na mão?
O melhor é não largar a faca?
O melhor é não largar o livro?
A faca acabará por perder a cabeça,
e o livro por justificar o crime do poeta revoltado…………(Eusébio Almeida).

segunda-feira, 27 de julho de 2009

CAMPO DE SOBREVIVÊNCIA

Fig.5 - Dan Graham à beira do desespero...

Tal como eu, há muitos jovens que procuram uma espécie de campo de sobrevivência (uma espécie de bolha de protecção que os ajude a suportar melhor o perigo vertiginoso de estarem vivos). Porque não é nada fácil suportar os inúmeros perigos da vida! Este campo de sobrevivência seria uma espécie de cabana criativa ou então um refúgio intelectual, não só capaz de alimentar alguns dos nossos sonhos, mas também algumas das nossas mais exuberantes perversões (da ordem da paranóia, da esquizofrenia, da psicose obsessiva ou da deambulação libertária).

Parece-me que existe em Tancos (próximo do famoso Castelo de Almourol) o esqueleto anatómico de algo semelhante uma tal cabana (uma cabana perdida no fio do horizonte do rio Tejo). Será esta cabana parecida com a velha cabana de um pescador de enguias ou de trutas imaginárias? Ou será mais parecida com uma clássica tenda de campismo? Não, esta é uma tenda verdadeira (de madeira, com janelas de vidro, com bancos de pedra, e um forno onde se pode aprender a cozer o pão, exactamente como na Idade Média...).

Será esta uma cabana que pode ser utilizada nos roteiros do novo turismo cultural? Eu diria antes que é uma cabana mais indicada para bichos do mato (escritores sem qualquer livro publicado, artistas revoltados, investigadores solitários, poetas esquizofrénicos, velhos psicóticos, jovens libertários, músicos silenciosos, espíritos selvagens, jovens inadapatados ou cineastas amantes da natureza, etc). Estas seriam as castas sociais mais indicadas...radicalmente mais indicadas!
Uma espécie de turismo de e para amantes da arte-lixo-luxo (ou fartos dos novos luxos demasiado artificiais). Uma espécie de residência artística para os amantes do velho luxo (quase como se estes quisessem conquistar o tempo que foge à velocidade da luz nos grandes centros urbanos ou como se quisessem conquistar o velho silêncio da estepe Russa ou da montanha portuguesa). É nesta perspectiva que desejo criar uma nova forma de fazer turismo em Portugal (sem casa, sem PC, sem telemóvel, sem tv, sem jornais, apenas o fetiche da metáfora e da experiência errante de um nómada inquieto...). Eis uma nova forma de fazer turismo. Turismo criativo ou turismo de autor...

Nota: Reflectir sobre as breves considerações de Steiner feitas a propósito da cabana de Thoreau, apresentadas no livro «O silêncio dos livros, seguido de Esse Vício ainda impune», de Michel de Crépu. Livro editado pela Gradiva em Junho de 2007.

sábado, 4 de julho de 2009

PARA QUE UM SOBREVIVA O OUTRO TERÁ QUE CAIR?


Fig.3 - Vito Acconti - O prazer virtual

«Toda a gente é forte desde que queira»
(Sainte-Beuve)
Ninguém é bom demais para não se deixar viciar por alguma coisa (droga, sexo, dinheiro, poder, preguiça, fama, trabalho, política, leitura, jogos interactivos, etc, etc.).



Sofres de insónias?
Snifa um blogue, e come uma bolacha cheia de veneno.
Ou então escava um poema no crânio da página ou na racha do betão.
Um poema é pior que uma máquina de partir pedra.
Um poema é uma espécie de retroescavadora a triturar
os sonhos de uma vida sem sentido.
Mas não te preocupes porque a vida ainda não termina aqui.
Eu sei que não há biometafísica no mundo das frases.
Há apenas desejos e os homens do terror.
Amor? Que se foda o amor!
Só interessam as viagens, as derrapagens,
as paragens e os grandes dissabores.
Não penses muito nisso,
senão ainda assassinas a vontade de viver.
É que a vida é a única coisa que temos.
Por isso, não encenes demasiado aquilo que imaginas.
Vive tal como sonhas ou então sonha
tal como vivem as personagens do Teatro completo»
de Sarah kane (a última dramaturga morta do século XX).
Ela que se fartou de viver. De comer. De foder.
Queria mais tensão. Mais tesão. Mais ilusão.
Fodeu-se? Ou foderam-na?
Ela que repetia, vezes sem conta,
que «a vida é uma merda!».
Enfim, não suportou o peso da velha História das mentalidades,
agora pendurada no esqueleto da sua própria vida.
Deixou-se vergar pelas forças intragáveis da escrita.
Da escrita maldita do poema que mata.
(Cuidado! Porque a arte de facto pode matar...!).
Foi ver os pombinhos da rua do inferno.
Deixou de ser terrestre. De ser terrena. De ser morena. De ser artista.
Foi tocar na vida, para não ser mais violada pela frustração da incontinência
do eterno pensamento de uma qualquer miniatura de Deus
(Deus, eis a imagem que mata).

Há pessoas que são incapazes de suportar o peso da vida.
Vergam facilmente...
Por isso, não te deixes vergar, nem pelo peso,
nem pelo silêncio da vida.
Sonha! Combate! Luta! Vive!
Para ganhares a vitória final!
Assim, um dia serás eterno!
Como as moscas sagradas?
Ou como as formigas que esmagas?
CONTRA OS DONOS DA CORRUPÇÃO...






Fig.4 - Eusébio Almeida, Sexo e Terrorismo, Pintura a óleo s/tela, 2007, Colecção do Palácio do Correio Velho, Lisboa.

Nota do autor: este trabalho foi desenvolvido a partir do livro «Os Homens do Terror», de Hans Magnus Enzensberger, publicado pela primeira vez em Frankfurt, em 2006.

Quem são, porque matam e morrem os terroristas de hoje, eis algumas das mais interessantes questões levantadas no livro acima enunciado.


Existe uma edição Portuguesa, publicada pela Sextante Editora (Não Ficção), 1ª edição, Março de 2008.