quarta-feira, 25 de agosto de 2010


O PRAZER DE DESCOBRIR AS POSSIBILIDADES DE UMA NOVA ILHA
(POR AMOR A UMA PEDRA).

Lab. Anti-Boom 2010


Eusébio Almeida (Projecto Anti-Boom Festival, 2010).


ESTOU FARTO DA BIOMETAFÍSICA DAS FRASES.
GOSTO MAIS DO CALOR E DA MECÂNICA DAS PEDRAS-ANDANTES.

Uma pedra pode ser uma arma parecida com os livros.
Um livro pode ser uma arma.
Uma arma pode ser um livro.
Os livros e as armas podem ser semelhantes
às pedras ou aos homens.

Há homens que são parecidos com as pedras
apesar de terem lido muitos livros.
Um livro e uma pedra podem estar carregados  de signos.
Os signos são balas que podem matar,
e «a morte é uma puta» que convém enganar.

Enganar a morte?
Como é que se consegue enganar a morte?
Perguntem ao poeta.
Mas onde é que está o poeta?
O poeta foi dormir, mas está quase a chegar.

Mas os poetas também dormem?
Não, os poetas não dormem,
adormecem apenas de cansaço.

Estou farto da biometafísica do mundo das frases,
e da tautologia excessivamente vaga das vírgulas
que só servem para interromper a textura teológica das palavras. 
As palavras são  uma espécie de cavernas bibliográficas 
que possuem uma língua própria.

Uma língua que fala da origem primordial das coisas, 
e dos seres que andam como pedras-andantes à volta das letras.
É a partir das letras deste poema-pedra-andante que eu desenho
um círculo no chão com a ponta dos dedos das mãos,
na tentativa de interpelar a origem e os sentidos musicais da vida
(essa fonte inesgotável de todas as esperanças).



É do amor que tenho pela vida solitária das pedras e das plantas
que nascem a maioria dos poemas que escrevo.

Para escrever um poema não basta escrever
uma palavra numa página qualquer.
É verdade que qualquer palavra poder ser
transformada numa nova página da história do mundo,
desde que o mundo não seja apenas uma página em branco,
e que a brancura das frases não se transformem
apenas em pedaços de pedra.

Para escrever um poema é preciso escavar com as mãos
um buraco bem fundo na textura rugosa do chão,
e deixar que as pedras sejam apenas imagens invertidas
depois de reflectidas no espelho da água desta ilha selvagem
onde irei continuar a escavar no eterno mapa da vida,
quase como uma espécie de arqueólogo solitário
a desenterrar as peças antigas de uma qualquer cidade
escondida debaixo das águas frias do mar.

Só assim é que o poema nasce.


Aliás, o poema só nasce quando o poeta se assemelha
a uma espécie de máquina patológica de partir pedra.
É por isso que o poeta é uma retroescavadora
que não pára de partir pedra, não só com as mãos,
mas também com os parafusos brilhantes dos dentes.

Quando o poeta deixar de partir pedra
com os parafusos brilhantes dos dentes
o mundo acabará finalmente por se dissolver 
na solidez inquietante do ar.

É a partir da solidez inquietante do ar
que respiramos a liberdade de escrever
sobre o prazer de viver totalmente rodeados de àgua
(o poema é um ser vivo que gosta de respirar por todos os lados).



Para finalizar este poema-pedra-andante,
eu diria apenas;
que as palavras surgem do ventre da terra
que chora pela morte do poema que nasce
do suor dos dedos cansados do poeta
que sangra perante a angústia do poema que escreve.

O que o poeta sofre apenas para conseguir
escrever uma palavra, uma palavra apenas.

Eusébio Almeida
25-08-2010

PROJECTO LAB. ANTI-BOOM 2010