sábado, 19 de junho de 2010


O ARTISTA DEITADO NA CAMA OU AS NOVAS METODOLOGIAS PARA PRODUZIR UMA OBRA DE ARTE.

 
Tracey Emin - My Bed (1998/2000), e o Prazer Virtual, de Vito Acconci.


Ninguém é bom demais para não se deixar viciar por alguma coisa (droga, sexo, álcool, dinheiro, poder, comida, preguiça, fama, trabalho, política, leitura, jogos interactivos, etc, etc.).



Tracey Emin é uma daquelas artistas da nova geração inglesa que gosta imenso de se esfregar no chão antes de começar a produzir uma obra de arte. Parece um animal cheio de raiva ou de cio a remexer nos buracos infinitamente grandes do fio ontológico do horizonte. Gestos lentos. Passos largos. Voz rouca. Olhar inocente. Corpo decadente. Quase como nos concertos verdadeiramente existênciais de Amy Winehouse. Deitada em cima dos quadros. Em cima do palco. Em cima da cama. De pijama vestido. De meias vermelhas. De copo na mão. Comprimidos no chão. E quase todos os livros de teoria da deriva enfiados na cabeça. De Platão a Rimbaud, de Hegel a Nancy, de Baudelaire a W.Benjamin, de Deleuze a Blumenberg, de Poe a Steiner, passando por Nietzsche (a sua grande paixão), o da «morte de Deus», e o da imortalidade da vida. Sim, exactamente, o da SIDA, o da sifílis, o da gonorreia, o da besteneia, mas também o da grande e misteriosa panaceia ocidental).

A mão esquerda levantada em direcção a uma tela em branco. Os dedos enfiados dentro de uma lata de tinta ou de sangue ou de esperma ou de merda. Ajoelhada ao pé da cama. De costas dobradas sobre o chão. De pernas abertas. De gatas (como os cães e as cadelas em pose de plena descontracção umbilical). Com a barriga encostada ao colchão, e a cabeça enfiada na sanita para poder absorver melhor as palavras que deslizam da saliva da boca. Os dentes cravados numa página de Kant para assim poder atingir melhor o calor dos limites aparentemente ilimitados de um novo orgasmo visual. Porém, o consolo da leitura de Kant não a impede de continuar a esfregar-se nos restos de comida espalhados pelos vários tapetes do quarto. Quase com um apetite de larva e um vigor semelhante ao das plantas carnívoras, esta artista parece uma deusa esquizofrénica a trepar pelas paredes antigas da casa.

Aliás, ela vive desesperadamente viva para assim poder encontrar um abrigo minimamente seguro. Afinal, o que é um ARTISTA senão um criador cheio de qualidades deitado na cama a lutar contra os  tão indesejáveis caprichos da morte. Neste caso, uma morte rodeada de livros acumulados geometricamente até ao tecto do quarto de onde parte um fio transparente que desce até ao pé dos pés da cama onde a artista acaba por desenhar, não só um círculo com a ponta da língua, mas também um ponteiro imaginário do tamanho do mundo feito com o sangue retirado das veias cortadas com uma lâmina encontrada no chão.  Foi, aliás, com essa lâmina apertada entre as mãos que ela veio a descobrir o valor, não só das palavras do velho Platão, mas também o valor das frases de Rousseau, dos versos de Rimbaud, dos parágrafos de Hegel, das páginas de Nietzsche ou dos livros de Deleuze e de Foucault, isto só para referir um número muito reduzido de autores. Ela que entretanto acabou de vomitar no chão da sala de jantar depois de ter devorado uma página de Kant (serão a maioria das páginas de Kant demasiado indigestas?). Mais uma página de Kant deitada para o lixo. Lixo Kantiano. Qual razão pura? Qual razão prática? Viva a impureza da razão! A Filosofia da acção! A estética da vida! Uma vida repleta de ficção...!

Por isso, de livro e de lâmina na mão a artista não sabe o que fazer. O que fazer? O que fazer para não morrer? O poeta Manuel Gusmão diz-nos que «todas as coisas podem e devem ser lugares de pensamento» ou de verdadeira ficção. Quase como se nos quiséssemos agarrar a uma bóia e desaparecer em alto mar. Naufragos de garrafa vazia atirada contra alguém que nos consiga salvar.

A verdade é que já não há abrigos seguros, nem jangadas demasiado estáveis, nem sequer lugares proibidos. Por isso, restam-nos apenas as palavras com que tentamos escrever os traços gerais de uma mera «ficção teórica», não à maneira de Lacan, mas à maneira de outra coisa qualquer. Porque na prática tudo são meras ficções de carácter tautológico! Ficções ou dicções? Ficções de ficções de ficções. Restos da história dentro da história que nos resta escrever. A palavra dentro da palavra. A escrita dentro da escrita. A arte dentro da arte. O livro dentro do livro. A imagem dentro da imagem. Figurações utópicas? Distopias? Independentemente dos rótulos, é preciso é inventar até às últimas consequências. Quase como se precisassemos de viver deitados para um dia morrer de pé. Morrer de pé? Sim, tal como aconteceu com a actriz Hupper, quando esta representou a peça 4.48. Psicose, de Sarah Kane (a primeira grande dramaturga a morrer de pé no início do século XXI).

Afinal, estamos para aqui a falar, a falar, mas o que é que é urgente pensar, dizer e fazer acerca do nosso tempo? Tenho a estranha sensação de que a «nossa película de normalidade é demasiado fina», já dizia José Bragança de Miranda, quando reflectia sobre as problemáticas do corpo enquanto palco de intervenção ou enquanto «campo de batalha», isto para usar uma expressão de Barbara Kruger (your body is a battlegroud), quando esta se refere às altas temperaturas do corpo. A verdade, porém, é que dentro e/ou fora do corpo da nossa «pequena ficção» nós podemos e devemos inventar tudo. Ser tudo e todos ao mesmo tempo, e em qualquer parte do mundo (quase como se fossemos uma espécie de malabaristas pendurados no fio das velas de um qualquer barco sem remos).

Nesta perspectiva, Ballard inventou o desastre em cadeia. Sarah Kane inventou a morte em cadeira de rodas. Outros autores inventaram a máquina de escrever. Outros a bomba atómica. Outros ainda a guerra civil. A suméria inventou a escrita. A Idade Média a morte e a tortura dos que aprendiam a pensar. A modernidade inventou a revolução dos transportes e a crise da civilização. E nós inventámos o quê? A verdade é que cada um de nós tem que inventar alguma coisa, senão estará verdadeiramente fodido. Só isso é que nos ligará à vida (a invenção, a criação, a inovação). De facto é preciso continuar a tocar na vida, já dizia esse grande poeta chamado Rimbaud, para quem «a morte era uma puta», isto para citar esse grande caçador de perdizes, de mulheres e de baleias chamado Hemingway.

Por isso, de costas voltadas para o chão, e de cabeça levantada para o ar, só nos resta lutar contra a nossa própria guerra civil interior, tal como Thomas Bernhard a lutar contra a doença das palavras escritas em «Derrubar árvores - uma irritação», ou  em mitologias apologéticas do gene saltitante, escritas por um qualquer Robert Walser imaginário.


sexta-feira, 4 de junho de 2010


PARA EXISTIR BASTA PARIR UMA PALAVRA?

Para existir basta parir uma palavra? Para existir basta parir uma frase? Para existir basta parir um poema? Para existir basta parir uma criança? Para existir basta parir uma vida? Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida.´Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema.  Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida. Parir uma palavra. Parir uma frase. Parir um poema. Parir uma criança. Parir uma vida.


Eusébio Almeida a parir uma palavra. A parir uma frase. A parir uma vida...