quinta-feira, 6 de agosto de 2009

UM ESCRITOR DEITADO NA CAMA OU AS NOVAS METODOLOGIAS PARA DESTRUIR UMA OBRA DE ARTE.



Fig.8 - Tracey Emin - My Bed - 1998/2000.

«A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer» (Stig Dagerman).
Tracey Emin é uma daquelas artistas que gosta imenso de se esfregar no chão antes de começar a produzir uma obra de arte. Parece um animal cheio de raiva a mexer nos buracos infinitamente grandes do fio ontológico do horizonte. Gestos lentos. Passos largos. Voz inocente. Corpo decadente. Quase como nos concertos verdadeiramente existênciais de Amy Winehouse. Deitada em cima do quadro. Em cima do palco. Em cima da cama. De pijama vestido. De meias vermelhas. De copo na mão. Comprimidos no chão. Todos os livros de teoria da deriva na cabeça. De Platão a Rimbaud, de Hegel a Nancy, de Baudelaire a W.Benjamin, de Deleuze a Blumenberg, de Poe a Steiner, passando por Nietzsche (a sua grande paixão), o da «morte de Deus», não o da imortalidade da vida. Sim, exactamente, o da SIDA, o da sifílis, o da gonorreia, o da besteneia, etc).
A mão esquerda levantada em direcção a uma tela em branco. Os dedos enfiados dentro de uma lata de tinta ou de sangue ou de esperma ou de merda. Ajoelhada ao pé da cama. De costas dobradas. De pernas abertas. De gatas. Com a barriga encostada ao colchão para absorver melhor as palavras que correm da boca. Os dentes cravados numa página de Kant. Até atingir os limites ilimitados do orgasmo. O consolo da leitura não a impede de vaguear pelos excessivos caminhos da loucura. Parece uma deusa à beira do desesespero...
TRACEY EMIN -Uma ARTISTA que deseja vingar ou vingar-se da morte? Mas, afinal, o que é um ARTISTA senão alguém cheio de qualidades deitado na cama. Uma palavra de Platão. Uma frase de Rousseau. Um verso de Rimbaud. Um parágrafo de Hegel. Uma página de Nietzsche. Um livro de Deleuze. Uma obra de um autor desconhecido...Ela que acabou de comer uma página de Kant. Mais uma página de Kant para o lixo. Lixo Kantiano. Qual razão pura? Viva a impureza da razão. A Filosofia da acção. A estética da vida.


Fig. 10 - Paulo Mendes (Performance),
EX-LOVE, Galeria Zé dos Bois, Lisboa.


«A morte é uma puta»,
já dizia Hemingway, esse extraordinário caçador de baleias
.
De livro e de faca na mão o escritor não sabe o que fazer. O que fazer, afinal? O poeta Manuel Gusmão diz-nos que «todas as coisas podem e devem ser lugares de pensamento». Quase como se nos quiséssemos agarrar a uma bóia e desaparecer em alto mar. Naufragos de garrafa vazia?
A verdade é que não há abrigos seguros. Nem lugares proibidos. Basta o erotismo das palavras com que tentamos escrever os traços gerais de uma mera «ficção teórica» à maneira de Lacan. Porque na prática tudo são meras ficções! Ficções ou dicções? Ficções de ficções de ficções. A história dentro da história. A palavra dentro da palavra. A arte dentro da arte. A escrita dentro da escrita. O lixo dentro do lixo. A imagem dentro da imagem. Figurações utópicas? Distopias? A verdade, é que é preciso inventar até ás últimas consequências. É preciso cagar deitado para podermos morrer de pé. Morrer de pé? Sim, tal como aconteceu com a actriz Hupper, quando esta representou a peça 4.48. Psicose, de Sarah Kane.
Afinal, estamos para aqui a falar, a falar, mas o que é que é urgente pensar, dizer e fazer acerca do nosso tempo? Tenho a estranha sensação de que a «nossa película de normalidade é muito fina», já dizia José Bragança de Miranda, quando reflectia sobre as problemáticas do corpo enquanto palco de intervenção ou do corpo enquanto tábua de passar a ferro, diria eu. São as temperaturas do corpo? As altas temperaturas? A verdade, é que dentro e fora da nossa «pequena ficção», nós podemos inventar tudo. Ballard, inventou o desastre em cadeia. Sarah Kane inventou a morte em cadeira de rodas. Outros autores inventaram a máquina de escrever. Outros a bomba atómica. Outros ainda a guerra civil. A suméria inventou a escrita. A Idade Média a morte e a tortura em cadeia. A modernidade inventou a revolução dos transportes e a crise da civilização. E nós inventámos o quê? A verdade, é que cada um de nós tem que inventar alguma coisa, senão estará verdadeiramente fodido. Só isso é que nos ligará à vida. De facto é preciso continuarmos a tocar na vida, já dizia esse grande poeta chamado Rimbaud, já que «a morte é uma puta» dizia esse grande caçador de mulheres e de baleias que foi Hemingway.
Por isso, de costas voltadas para o céu, só nos resta lutar contra a nossa própria guerra civil!?