quinta-feira, 18 de novembro de 2010

ENTRE O PAÍS QUE TÍNHAMOS E O PAÍS QUE TEMOS. DESCUBRA AS PRINCIPAIS DIFERENÇAS (SE FOR CAPAZ...).


"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio,

fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora,

aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias,

sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice,

pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas;

um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem

donde vem, nem onde está, nem para onde vai;

um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom,

e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que

um lampejo misterioso da alma nacional,

reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula,

não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha,

sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima,

descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas,

capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação,

da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa

sucedam, entre a indiferença geral,escândalos monstruosos (...).


Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo;

este criado de quarto do moderador; e este, finalmente,

tornado absoluto pela abdicação unânime do País.

A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara

ao ponto de fazer dela saca-rolhas.

Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções,

incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico

e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos,

iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero,

e não se malgando e fundindo, apesar disso,

pela razão que alguém deu no parlamento,

de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."

Guerra Junqueiro, 1896.

2 comentários:

Anónimo disse...

IMPRESSIONANTE!
Depois de ler o que li, não podia não comentar!
Embora fique o resto do dia comentando para mim, o que aqui li, não sei como é que ainda me impressiono com o que é de facto a realidade da sociedade como a portuguesa.

Passei 3 dias em Lisboa entre o Teatro Aberto e a zona de São Bento, bebendo uns cafés, ouvindo as pessoas, entre jornais e as velhas e mesquinha intrigas. Ouvi também a tipica "prece" matinal que pensava já extinta:

"Ola bom dia Doutora!" etc,etc,etc...

Desta visita concluí o mesmo que agora em segundos lendo as palavras do Guerra Junqueiro.

Ia deixar uma pergunta, mas deixa estar...não vale a pena... deixo aqui vários abraços!

Eusébio Almeida disse...

Olá Cavalo de Pau (antes de mais, belo nome, esse o que tu deste ao teu cavalo...).

Obrigado pelo comentário!

Infelizmente, ainda continuamos a sofrer dessa velha ameaça tipícamente, eu não diria portuguesa, mas "tipícamente humana", que consiste em pensarmos que ainda somos uns coitadinhos, uns aleijadinhos, uns pequenininhos (uma espécie de Zé Povinhos), ou seja, essa visão demasiado estreita, pesada e doentia que só tem servido para acentuar ainda mais esse velho "complexo de inferioridade" que sempre parece ter estado ligado à estrutura fundamental da nossa identidade. Se bem que durante muito tempo ainda tenhamos pensado que éramos os melhores do mundo (pelo menos em matéria de descobertas). Terá isso acontecido apenas no século XV, quando começámos por desbravar as primeiras auto-estradas marítimas, essas que entretanto abriram o caminho da globalização e das atuais redes de comunicação? Não acho que tenha sido apenas nessa altura...No entanto, também compreendo muito bem as razões que continuam a fazer com que muitos dos nossos cérebros ainda sejam obrigados a fugir deste país (onde os políticos não são avaliados, os corruptos não são punidos, e onde os piores ainda são devidamente acarinhados...). Enfim, o texto do Guerra Junqueiro diz tudo ou quase tudo...

Um grande abraço(quando for grande também quero ter um Cavalo de pau...).