domingo, 9 de agosto de 2009

TRAÇOS DO NOMADISMO CONTEMPORÂNEO (parte II).
do flâneur ao ciberflâneur
(em permanente construção)

Eusébio Almeida, Projecto - EM VIAGEM
Profissão: nómada/ciberflâneur


ANTES DA PARTIDA......milhares de Kms de terra vazia
a viagem vai começar
LISBOA - MADRID -BERLIM - MOSCOVO... a caminho do Norte da SIBÉRIA

a viagem de um nómada inquieto...

Próximo do ponto mais alto da «Montanha Mágica» onde ainda vivem as personagens do romance de Thomas Mann.

1 sonhador na sua bolha de protecção......

LISBOA + ISTAMBUL + SARATOV + TOMSK + CORRUPÇÃO + TURISMO SEXUAL + teoria do conhecimento + a vontade de partir em direcção aos montes de Tunsguska.

a cabana do artista revoltado

A extraordinária facilidade com que se cria um ABRIGO para proteger uma comunidade de doidos é muito semelhante à facilidade com que se cria um poema nas costas invertidas de uma imagem. Basta experimentar...

Eusébio Almeida, 2008-09
O Projecto "A arte pode matar" apresentado no âmbito do Ciclo de exposições 2x8 (comissariado pelo David Etxeberria), em 2007, no Museu António Duarte, Caldas da Rainha, ganhou uma nova extensão criativa em forma de Work in Progress, chamando-se agora "A Cabana do Artista Revoltado" (projecto móvel/nómada).


no mar das Caraíbas...

AS MICRO-UTOPIAS DE UM ETERNO SONHADOR ...

A caminho do deserto, a norte da estrada do sul (via do Ingresso para toda a parte). Ulrich, 09

o prazer de caminhar à beira mar....................

Berlim 09 - de costas voltadas para o céu

Uma mochila às costas. Um saco cama. Uma garrafa vazia. Uma máquina a roncar no meio da praia. A cabeça cheia de ligações... Um caderno cheio de apontamentos demasiado obscuros. Uma tese de Doutoramento para terminar. Uma cidade ao pé dos pés, pronta a redesenhar. A última vez que cá estive foi no Verão de 2000 (pós-curso Caldas). A viagem está quase a terminar. Aproxima-se Setembro, e a urgência de continuar a pensar no eterno desconforto da fragilidade de todo o conhecimento. É a luta de continuar a caminhar, agora, em direcção a outras paragens. Mais obscuras. Mais formais. Mais instrumentais. Demasiado paradoxais até. Sim, até começar a nova instrumentalização do conhecimento. Para quê?

Simplesmente para continuarmos vivos! Para continuarmos vivos? Sim, não fazemos nós tudo, simplesmente para continuarmos vivos? Sim, porque a morte, essa, é uma puta, já dizia esse grande escritor e viajante, e caçador de baleias chamado Hemingway, que um dia deixou de pensar e de escrever, simplesmente para continuar a viver melhor.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

NOTAS SOBRE A TEORIA DA VIAGEM OU TRAÇOS DO NOMADISMO CONTEMPORÂNEO (parte I).



Fig. 7 -A caminho de Veneza


«Toda a narrativa é uma narrativa de viagem»
( Michel de Certeau).


Fechar os olhos. Abrir um livro ao acaso. Saborear uma barra de chocolate, e um vinho de Bordeaux ou um cálice de champanhe de Epernay. Mergulhar nas águas transparentes do oceano e viver rodeado de azul a bordo de um cruzeiro qualquer em alto mar. Fazer escala em Barcelona, Bruxelas, Praga, Viena, Berna, Génova, Veneza, Roma, Florença…etc. Desejar o burburinho de vilas e cidades tão reais como a lista interminável das Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino, até que as âncoras se levantem, os motores voltem a funcionar, e a mecânica da viagem acelere o meu desejo de partir (qual nómada inquieto), quase como se nada me conseguisse deter, como se nada me fizesse parar, à medida que tentarei fugir do anestesiante espaço do estar (sedentarismo) para o interminável espaço do andar (nomadismo).

Andar…Andar…Andar…Apanhar o comboio para Paris. Visitar a Tenda de Ben, e o Museu Portátil de Duchamp, mas também a Cruz Negra, e o Homem que corre de Malévich, etc. Depois, é só apanhar o autocarro para Amesterdão e Berlim. O barco para Copenhaga e Estocolmo. O TGV para Varsóvia e Praga. O comboio para Viena e Budapeste. O camião para Zagreb, Belgrado, Sarajevo e Bucareste. O avião para Istambul e depois para Nova Iorque. O metro para Manhattan, e o táxi para a Times Square…mais uns telefonemas para Tóquio, uns e-mails para Lisboa, outros para Moscovo, e ainda outros não sei muito bem para onde. Entretanto, aproveito para descansar num banco do jardim junto à estátua de Andersen, à medida que vou balbuciando algumas palavras de protesto contra a famosa instalação de Christo, no Central Parque, enquanto esta se balança ao sabor do vento agitado da manhã, quase como o Pêndulo de Foucault (U. Eco) a balançar dentro da mochila que carrego às costas. A seguir não posso deixar de passar pelo misterioso coração de Nova Iorque, esse “museu alternativo” (paredes do metro) que viu nascer alguns dos primeiros trabalhos (graffitis) de Basquiat, de Keith Haring, e de tantos outros artistas, antes destes se terem deixado engolir pelos tentáculos do mercado da arte.

Tantas coisas a visitar em Nova Iorque (o Moma, o Metropolitan Museum, o Frick Collection, o Museum of Natural History, o River Café, a Brooklyn Bridge, a Broadway, o Empire State Building, o Central Park, a Washington Square, o Rockefeller Center, mas também os famosos cafés literários da Greenwich Village, a atmosfera exótica da Chinatown, a assustadora decadência de Bowery, o ambiente pesado do Bronx (Zoo), a poesia revivalista dos artistas boémios da nova “beat generation” do SoHo, para além de uma curta passagem pela capital negra dos Estados Unidos - o Harlem, etc, etc, etc), tudo isto antes de partir pelas infindáveis estradas poeirentas do Texas e do México (rumo ao sul) pelos caminhos anteriormente trilhados pelo atormentado Jack Kerouac. Depois é só apanhar o avião para Londres, agora, para ver uma exposição dos Young British Artists (YBAs) na nova Saatchi Gallery (entre chaminés de mármore, colunas clássicas e tectos abobadados). Entretanto encontro no Time out (a bíblia dos guias londrinos) uma nova exposição de Tracey Emin, e da sua famosa cama cheia de esperma ontológico (Prémio Turner em 2000).

Depois apanho boleia até Brighton, passo novamente por Paris, e sigo em direcção às ruas estreitas e compridas de Toledo (pela puerta de Visagra/Séc XVI). Aqui é só subir e descer ruas. Subir e descer escadas. Andar de gatas (ao ritmo da Idade Média). Tropeçar. Cair. Levantar. Quase como se quisesse muscular a lucidez dos passos que acabo por desenhar no chão da cidade (povoada de “quadros-cópias” de El Greco), por onde acabei agora de passar ao tropeçar em placas de trânsito que me indicam a saída em direcção a Portugal. Tudo isto para dizer, que podia estar (apenas) sentado à frente do computador, ligado à net, ligado ao mundo, ligado à vida, a viajar pelos labirínticos bosques da ficção ou da hiperficção, quase como uma espécie de turista sentado (ciberflâneur) à medida que seria hiperestimulado pelos múltiplos dispositivos da experiência simulacral desse jogo alucinatório das novas «sensibilidades artificiais» (o mundo à distância de um click).

Mas a verdade, porém, é que nada parece substituir esta vertiginosa vontade de errar, de deambular, de transpirar, de tocar, de gritar, de traçar e de experimentar o caminho com as nossas próprias mãos cravadas no chão, no ar, na terra, no mar, e não apenas no teclado. Quase como se quiséssemos sentir na pele, o calor, o frio, o sabor e o cheiro das palavras do poeta António Machado quando este escreve ao dizer que «não há caminhos, há que caminhar. O Caminho faz-se caminhando», tal como Henri Michaux, a bordo do seu “Boskoop”, no mar, a caminho do seu famoso Equador.


LINHA B. - Até que ponto é que uma viagem pode mudar uma vida? Até que ponto é que uma vida se pode mudar com uma simples viagem?

LADO C - Em permanente construção...

Eusébio Almeida a caminho do deserto…

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

UM ESCRITOR DEITADO NA CAMA OU AS NOVAS METODOLOGIAS PARA DESTRUIR UMA OBRA DE ARTE.



Fig.8 - Tracey Emin - My Bed - 1998/2000.

«A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer» (Stig Dagerman).
Tracey Emin é uma daquelas artistas que gosta imenso de se esfregar no chão antes de começar a produzir uma obra de arte. Parece um animal cheio de raiva a mexer nos buracos infinitamente grandes do fio ontológico do horizonte. Gestos lentos. Passos largos. Voz inocente. Corpo decadente. Quase como nos concertos verdadeiramente existênciais de Amy Winehouse. Deitada em cima do quadro. Em cima do palco. Em cima da cama. De pijama vestido. De meias vermelhas. De copo na mão. Comprimidos no chão. Todos os livros de teoria da deriva na cabeça. De Platão a Rimbaud, de Hegel a Nancy, de Baudelaire a W.Benjamin, de Deleuze a Blumenberg, de Poe a Steiner, passando por Nietzsche (a sua grande paixão), o da «morte de Deus», não o da imortalidade da vida. Sim, exactamente, o da SIDA, o da sifílis, o da gonorreia, o da besteneia, etc).
A mão esquerda levantada em direcção a uma tela em branco. Os dedos enfiados dentro de uma lata de tinta ou de sangue ou de esperma ou de merda. Ajoelhada ao pé da cama. De costas dobradas. De pernas abertas. De gatas. Com a barriga encostada ao colchão para absorver melhor as palavras que correm da boca. Os dentes cravados numa página de Kant. Até atingir os limites ilimitados do orgasmo. O consolo da leitura não a impede de vaguear pelos excessivos caminhos da loucura. Parece uma deusa à beira do desesespero...
TRACEY EMIN -Uma ARTISTA que deseja vingar ou vingar-se da morte? Mas, afinal, o que é um ARTISTA senão alguém cheio de qualidades deitado na cama. Uma palavra de Platão. Uma frase de Rousseau. Um verso de Rimbaud. Um parágrafo de Hegel. Uma página de Nietzsche. Um livro de Deleuze. Uma obra de um autor desconhecido...Ela que acabou de comer uma página de Kant. Mais uma página de Kant para o lixo. Lixo Kantiano. Qual razão pura? Viva a impureza da razão. A Filosofia da acção. A estética da vida.


Fig. 10 - Paulo Mendes (Performance),
EX-LOVE, Galeria Zé dos Bois, Lisboa.


«A morte é uma puta»,
já dizia Hemingway, esse extraordinário caçador de baleias
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De livro e de faca na mão o escritor não sabe o que fazer. O que fazer, afinal? O poeta Manuel Gusmão diz-nos que «todas as coisas podem e devem ser lugares de pensamento». Quase como se nos quiséssemos agarrar a uma bóia e desaparecer em alto mar. Naufragos de garrafa vazia?
A verdade é que não há abrigos seguros. Nem lugares proibidos. Basta o erotismo das palavras com que tentamos escrever os traços gerais de uma mera «ficção teórica» à maneira de Lacan. Porque na prática tudo são meras ficções! Ficções ou dicções? Ficções de ficções de ficções. A história dentro da história. A palavra dentro da palavra. A arte dentro da arte. A escrita dentro da escrita. O lixo dentro do lixo. A imagem dentro da imagem. Figurações utópicas? Distopias? A verdade, é que é preciso inventar até ás últimas consequências. É preciso cagar deitado para podermos morrer de pé. Morrer de pé? Sim, tal como aconteceu com a actriz Hupper, quando esta representou a peça 4.48. Psicose, de Sarah Kane.
Afinal, estamos para aqui a falar, a falar, mas o que é que é urgente pensar, dizer e fazer acerca do nosso tempo? Tenho a estranha sensação de que a «nossa película de normalidade é muito fina», já dizia José Bragança de Miranda, quando reflectia sobre as problemáticas do corpo enquanto palco de intervenção ou do corpo enquanto tábua de passar a ferro, diria eu. São as temperaturas do corpo? As altas temperaturas? A verdade, é que dentro e fora da nossa «pequena ficção», nós podemos inventar tudo. Ballard, inventou o desastre em cadeia. Sarah Kane inventou a morte em cadeira de rodas. Outros autores inventaram a máquina de escrever. Outros a bomba atómica. Outros ainda a guerra civil. A suméria inventou a escrita. A Idade Média a morte e a tortura em cadeia. A modernidade inventou a revolução dos transportes e a crise da civilização. E nós inventámos o quê? A verdade, é que cada um de nós tem que inventar alguma coisa, senão estará verdadeiramente fodido. Só isso é que nos ligará à vida. De facto é preciso continuarmos a tocar na vida, já dizia esse grande poeta chamado Rimbaud, já que «a morte é uma puta» dizia esse grande caçador de mulheres e de baleias que foi Hemingway.
Por isso, de costas voltadas para o céu, só nos resta lutar contra a nossa própria guerra civil!?